As ressacas que assolaram o litoral santista nos últimos anos causaram grandes estragos na Ponta da Praia. Somente em 2016 foram três de grande impacto: 27 de abril, 21 de agosto e 28 e 29 de outubro.
Ao longo do tempo diversas alternativas foram propostas. Todas elas precisam, ainda, de estudos técnicos aprofundados para verificar sua eficácia e viabilidade. Importante que os estudos também levem em consideração a integração da estrutura à região, como a possibilidade de geração de novas opções de turismo e lazer.
As ressacas de agosto e outubro de 2016
As ressacas de 21 de agosto e de 28 e 29 de outubro de 2016 causaram grandes estragos na região da Ponta da Praia, principalmente no trecho entre o Aquário Municipal e o Píer Edgar Perdigão, além das enchentes causadas pela elevação do nível do mar.
Ressaca de 21 de agosto (site janelas.tv).
Uma conjuntura de fatores contribuiu para o elevado impacto causado: altura e direção das ondas, maré de tempestade e a diminuição da faixa de amortecimento das ondas:
(a) Altura das ondas
A altura das ondas medida na Ilha das Palmas chegou a 4,2 metros e 3,1 metros respectivamente nas ressacas de agosto e outubro de 2016, sendo consideradas altas para esse local.
(b) Direção das ondas
Nessas ressacas, as ondas vieram do quadrante sul, mais precisamente a 205º (sul-sudoeste) e 185º (sul) respectivamente nas ressacas de agosto e outubro de 2016.
(c) Maré de tempestade
A maré de tempestade causou uma elevação adicional do nível do mar em 70 cm e 1 metro respectivamente nas ressacas de agosto e outubro de 2016.
Maré de tempestade: elevação ou diminuição da altura normal da maré devido à força que o vento causa na superfície do mar.
(d) Diminuição da faixa de amortecimento de energia das ondas
O aumento da profundidade do Canal do Porto de Santos e de suas margens a partir de 2010 e a estreita faixa de areia existente na praia entre o aquário e o canal 6 também fez diminuir a faixa de amortecimento das ondas. Isso porque diminuiu o trecho no qual a ondulação avança "sentido o fundo".
Sentir o fundo: A onda sente o fundo quando está a uma profundidade menor que a metade do seu comprimento de onda. Nesta situação, ela sente a resistência do fundo e perde energia: os movimentos orbitais dos níveis mais profundos começam a ser restringidos porque a água já não pode se mover verticalmente; apenas pode se mover para frente e para trás (na horizontal). Isso faz com que a parte superior da onda aumente seu pico e eventualmente quebre.
A elevação adicional causada pela maré de tempestade amplificou o impacto da ressaca por dois motivos: diminuiu mais ainda o trecho de amortecimento de energia das ondas e (b) as barreiras de contenção de impacto das ondas (praia, paredão do canal, pedras de contenção e muretas) ficaram proporcionalmente mais baixas.
Todos estes fatores em conjunto contribuíram para o grande estrago na região da Ponta da Praia.
A dragagem para aumento da profundidade do canal
A dragagem para aumento da profundidade do Canal do Porto de Santos foi realizada recentemente, em 2010. Ela foi necessária para aumentar a competitividade da operação no Porto, pois grandes navios tinham que navegar pelo Canal com sua capacidade de carga limitada aumentando, consequentemente, o custo operacional. Mesmo o último aumento do calado para 13,20 m no Trecho 1 (da barra ao Entreposto de Pesca), o Canal do Porto de Santos ainda possui limitações significativas para grandes navios de carga.
Simulações mostram que o aumento do calado do canal causou o aumento da altura das ondas que chegam à Ponta da Praia e à Praia do Goes nas ondulações de direção sul de alturas 0,75 e 1,25 metros e de direção sul-sudoeste de alturas 0,75, 1,25, 1,75, 2,25 e 2,75 metros.
Diferença entre as alturas de ondas obtidas nas simulações com a
batimetria posterior e anterior à dragagem para ondas de 1,25 m de altura e direção sul. Fonte: [1]
A diminuição da faixa de areia entre o Aquário e o Canal 5 pode, também, ser conseqüência da chegada de ondas com maior energia ou da alteração da dinâmica das correntezas de maré devido ao aumento da vazão do canal. Essa diminuição da faixa de areia faz com que, durante as ressacas, as ondas cheguem com maior energia, invadindo os jardins e vias.
As ressacas na ponta da praia
Registros históricos mostram que ressacas sempre existiram com este nível de intensidade na região da Baixada Santista. Exemplo disso foi a ressaca de 26 de abril de 2005, que também causou grandes estragos na região da Ponta da Praia.
Ressaca de 26 de abril de 2005 (Fonte: Jornal A Tribuna 27/4/2005).
Porém, agora existem alguns fatores contribuintes adicionais que podem amplificar o estrago destes eventos. Um destes fatores é a alteração causada pelo aumento da profundidade do Canal do Porto de Santos. Segundo Renan Ribeiro, do Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas (NPH) da UniSanta, “também há a influência das mudanças climáticas, alguns dados já mostram que o numero de ressacas aumentou na última década, além do próprio aumento do nível médio do mar”.
Ou seja, estes eventos sempre ocorreram, o que será observado a partir de agora será uma maior freqüência e maior impacto destes eventos.
Estudos preliminares do DHA para minimizar os transtornos
O Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental (DHA) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo apresentou à Prefeitura de Santos um estudo conceitual e preliminar de uma fase inicial de investigação de algumas alternativas para minimizar os transtornos causados pelas ressacas na região da Ponta da Praia.
O estudo preliminar foi apresentado no dia 9 de março de 2017 em solenidade na sede da CODESP e foi resultado da primeira etapa de um estudo hidráulico realizado a pedido da Autoridade Portuária.
Veja mais detalhes sobre a solenidade na reportagem da A Tribuna On Line [1]: (http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/cidades/usp-lanca-propostas-para-conter-erosao-na-ponta-da-praia/?cHash=4e9c0e7346410c042d5d8b70ef8ad9e9).
O estudo sugere a construção de uma espécie de recife artificial, um mole (barreira geralmente de pedra) de 2,3 km de extensão da frente do Museu de Pesca até o canal 4. Algumas variantes para este mole foram apresentadas: mole emerso ou submerso, contínuo ou segmentado e mais próximo ou mais afastado da praia.
Proposta de barreira contínua distante aproximadamente 100 m da praia.
Proposta de barreira contínua distante aproximadamente 500 m da praia.
Proposta de barreira segmentada distante aproximadamente 100 m da praia.
Proposta de barreira segmentada distante aproximadamente 500 m da praia.
O objetivo destas barreiras artificiais é amortecer o impacto das ondas no calçadão da ponta da praia e minimizar a retirada de areia da praia.
Na segunda etapa do trabalho do DHA-USP, todas estas alternativas serão estudadas a fim de avaliar sua eficácia e efeitos colaterais que possam causar.
Viabilidade das alternativas propostas
O pesquisador Renan Ribeiro e a Profª. Alexandra Sampaio, coordenadora do Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas (NPH) da Universidade Santa Cecília (Unisanta), comentaram a respeito da viabilidade da proposta, ressaltando que não tiveram acesso ao estudo, somente da apresentação.
“Do ponto de vista técnico, ou seja, de engenharia, as alternativas apresentadas são viáveis para resolver um dos principais problemas dessa região, que é o impacto das ondas na infraestrutura urbana (ou pelo menos em parte) e a consequente perda gradativa de sedimentos nas praias da Ponta da Praia e Aparecida. Conforme foi apresentado na reportagem, as alternativas mais próximas à linha de costa apresentam uma melhor "eficiência" na redução da energia das ondas, e desta maneira contribuem para uma maior deposição de sedimentos nas praias. Entretanto, o que se deve avaliar a longo prazo é, qual o risco dessas praias formarem um tômbolo muito pronunciado fazendo com que ela se conecte a estrutura proposta ao longo do tempo. Nesse sentido, fazendo apenas uma análise preliminar e avaliando o projeto conceitual proposto, as alternativas mais distantes da linha de costa podem ser mais adequadas.
Um ponto que evidentemente deve ser considerado são os impactos dessas alternativas nas praias após o canal 4 (Boqueirão, Gonzaga, etc.). Será que não ocorrerá um problema de erosão nas outras praias? Apenas pela matéria veiculada não é possível afirmar se isso foi avaliado.
Além disso, outra questão a ser considerada é qual o local de início da estrutura. Pelas imagens disponíveis, as alternativas apresentadas se iniciam nas proximidades do píer de pesca, sendo que nos eventos extremos ocorridos no ano passado houveram impactos na mureta e infraestruturas urbanas após o píer (ex.: inundação na garagem do clube Vasco da Gama).
Existem outras alternativas que poderiam ser estudadas, mas evidentemente que sempre devem ser considerados quais os custos de implementação e manutenção, bem como os impactos na região do entorno, para que a solução de um problema não seja responsável pela geração de outro. Por exemplo, a construção de dois molhes guias-correntes paralelos ao traçado do canal de navegação, que assim também beneficiaria a dragagem de manutenção do porto pois reduziria a sedimentação indesejada no canal de navegação. Entretanto, além da necessidade de avaliar qual seu impacto em todo o entorno, evidentemente esta é uma alternativa mais cara.”
Sobre o NPH UniSanta: O Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas (NPH) da UniSanta desenvolve diversas pesquisas na região da Baixada Santista. Desenvolveu e opera um sistema de previsão das condições de mar, com detalhe na região da Baía e Estuário de Santos. Também está finalizando um sistema de previsão da balneabilidade das praias e está iniciando outro projeto de monitoramento fluviométrico do Rio Cubatão e com posterior implantação de um sistema de previsão hidrológica na Bacia do Rio Cubatão.
Outras opções
Existem muitas outras opções para minimizar o impacto das ressacas nas infraestruturas urbanas. A seguir são comentadas algumas delas.
a) Mole paralelo ao canal
Uma outra opção citada pelos pesquisadores da NPH da UniSanta é a construção de moles paralelos ao Canal do Porto, um em cada margem..
Para exemplificar, a figura a seguir mostra uma das alternativas de posicionamento do mole paralelo ao Canal do Porto presente somente em uma das margens e desconectado da terra, possibilitando fluxo de água com intensidade adequada para minimizar o impacto à redução do fluxo de água próximo à praia. Certamente esta opção seria mais cara devido à maior profundidade do local.
Opção de mole desconectado da terra e paralelo ao Canal.
b) Ilha artificial com atracadouro para navios de passageiros
A opção de um mole guia paralelo ao traçado do canal de navegação traz à tona o mega projeto “Santos Vivo” apresentado pela Fundamar (fundamar.org.br) em 1999, que incluía marinas ao longo das margens do Canal do Porto e uma grande ilha artificial interligada à costa por uma faixa aterrada. Um ponto de destaque desse projeto foi a proposição de um atracadouro para navios de passageiros na faixa aterrada.
Ilustração da ilha artificial do projeto “Santos Vivo” – Fonte: Fundamar.
Ilustração da ilha artificial do projeto “Santos Vivo” – Fonte: Fundamar.
c) Píer de atracadouro de navios de passageiros
Uma opção intermediária ente o mole paralelo ao canal e a ilha artificial seria a construção de um píer mais robusto que permitiria a atracação de navios de passageiros.
Opção de pier de atracadouro de navio de passageiros.
O mole paralelo ao traçado do canal do porto poderia ter uma estrutura mais robusta para servir como atracadouro de navios de passageiros, um grande problema existente atualmente em Santos. Essa estrutura poderia ser desconectada da costa, tendo uma ponte de interligação. Seria um empreendimento de porte muito menor que a ilha artificial, mas significativamente maior do que as opções de construção de mole. Se fosse viável, esta alternativa, além de atenuar o impacto das ressacas, traria também diversas opções de lazer, criaria um ponto turístico e, mais importante, uma alternativa muito interessante para o terminal de passageiros. Existem muitos outros problemas nesta alternativa: como impacto viário e estruturas do terminal. A estrutura do píer não teria espaço suficiente para comportar as necessidades de um terminal de passageiros completo (terminal de passageiros, área de armazenamento e despacho de bagagens, infra-estrutura de suprimentos, estacionamento, etc). Parte destas facilidades teria que ser desmembrada em outra área mais afastada.
Solução integrada
Independente da solução que seja escolhida, é fundamental que ela também leve em consideração sua integração à região e a possibilidade de geração de novas opções de turismo e lazer.
Como exemplo, no caso de um mole emerso contínuo, a existência de uma ponte de acesso ao mole permitiria seu uso para esporte e lazer: caminhada, corrida e pesca. A área de água abrigada pelo mole também favoreceria a prática de esportes como natação e stand-up. No caso de um mole com uma estrutura maior, poderia suportar uma área com facilidades fixas para apoio aos eventos náuticos (competições de vela, canoa, caiaque, stand-up e travessias de natação) contendo vestiários, local para premiação e sala de apoio, além da arquibancada natural. Atualmente, Santos não possui uma área municipal com estrutura adequada para eventos náuticos.
Autor: Volnys Bernal, velejador, ex-presidente da Associação Brasileira de Velejadores de Cruzeiro e editor do blog Vela Santista.
Referências
[1] USP propõe obras para diminuir a erosão das praias - Jornal A Tribuna 3 março de 2017. (http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/cidades/usp-lanca-propostas-para-conter-erosao-na-ponta-da-praia/?cHash=4e9c0e7346410c042d5d8b70ef8ad9e9).
[2] Plano básico ambiental da dragagem de aprofundamento do Porto de Santos - Anexo - Avaliação da estabilidade do talude do canal de navegação e modelagem morfodinâmica na Baía de Santos, FUNDESPA – 2014.
[3] Plano básico ambiental da dragagem de aprofundamento do Porto de Santos – Anexo - Análise histórica dos registros de ressacas ocorridos na região da Baía e Estuário de Santos, FUNDESPA – 2014.